UM SONHO CHAMADO SUÍÇA

A emigração de castrenses para a Suíça é uma realidade com algumas dezenas de anos de história.  O êxodo significava que havia poucas oportunidades localmente e ainda a capacidade de procurar melhores condições de vida. Também representava arriscar, afastar-se da família e amigos e, simultaneamente, conseguir adaptar-se a novas cultura, língua, clima e dinheiro. A acrescentar a estas dificuldades havia o desafio das longas, demoradas e cansativas viagens de comboio ou de viatura automóvel.

Este destino migratório de castrenses teve mais impacto na zona de Zermatt levando a protocolos de cooperação institucionais assinalados publicamente com um monumento alusivo em Castro Daire e respetiva placa de inauguração (ver foto).

Para conhecermos melhor o que era este tipo de emigração, conversamos com o Sr. Ivo da Silva Gonçalves, natural da Granja, freguesia de Mões e, atualmente, a residir na sede da freguesia. 

Começou por explicar-nos que a disponibilidade de trabalho na Suíça era protocolada entre os dois Estados: Portugal e Suíça. Os portugueses não podiam trabalhar em fábricas mas podiam ser empregados nos hotéis, na agricultura e nas estradas. 

Também salientou que havia três modalidades de autorização (permis/permisso): A, B e C.

A autorização A representava emprego sazonal (01 de março a 30 novembro) e permanência máxima de 9 meses/ano, logo, 3 meses de ausência obrigatória da Suíça.

A autorização B era conseguida após 5 anos consecutivos de emprego; o ano só era contabilizado se fossem cumpridos os 9 meses de trabalho sazonal. Na posse desta autorização, o emigrante era autorizado à permanência anual em território suíço.

A autorização C permitia ao emigrante ser tratado como um empregado suíço. O domicílio passava a ser no país de acolhimento. Começava a pagar os impostos respetivos mas não lhe era atribuída a titularidade de cidadão suíço. Significava uma integração laboral mas com exclusão de cidadania. 

Após estes pressupostos genéricos, vamos à história do nosso interlocutor que tem tudo registado na memória e que fala com conhecimento de causa, com alguma emoção e  saudade e, ainda, com orgulho de ter arriscado e de ter alcançado os sucessos possíveis.

Ele trabalhou em Lisboa como especialista de aplicação de marmorito (argamassa resultante da mistura de pedra moída, pó de pedra, cimento e água para aplicação nas paredes das casas e nos degraus das escadas. Apresentava resistência e durabilidade após lavagem das paredes ou polimento nas escadas). Querendo mudar de vida, sabendo que a sua profissão não era reconhecida no estrangeiro e após ter feito o serviço militar, considerou que a melhor opção seria rumar à Alemanha mas a falta de oportunidades fê-lo mudar de ideias.

Em finais do ano de 1973, dirigiu-se ao Serviço de Emprego, em Viseu, tendo sido informado que o seu perfil teria mais saída para a Suíça que estava a recrutar pessoal para os serviços dos hotéis e para a agricultura. Seguiu-se a inspeção médica na Rua da Junqueira, Lisboa, já com a presença do representante dos serviços da Suíça.

Antes do embarque, os selecionados para emigrar recebiam um folheto informativo em língua portuguesa sobre a organização política e administrativa da Suíça, as diferenças na alimentação, as características dos suíços classificados de trabalhadores, poupados e exigentes.

1 –  O primeiro emprego na Suíça

Tendo em consideração que ocorreu o 25 de abril de 1974 e o consequente encerramento das fronteiras, ainda se recorda e ter presenciado a chegada do exilado Mário Soares à Estação de Santa Apolónia, Lisboa, no dia 28 de abril. Se alguém regressava, ele emigrou desta mesma estação ferroviária no dia seguinte, dia 29 de abril.

Os únicos passageiros deste comboio especial eram cerca 600 emigrantes portugueses acompanhados pelos serviços suíços numa viagem de quase 40 horas com destino a Genebra intervalado pelas paragem e mudança de comboio em Hendaia. Cada passageiro tinha o seu lugar reservado, que servia também para dormir, e direito a dois almoços (Hendaia e Genebra).

Chegados a Genebra, os emigrantes eram novamente inspecionados e no local já se encontravam os representantes dos cantões suíços que já tinham a lista nominal dos selecionados. No seu caso, a burocracia ditou-lhe o destino  para o cantão de Zurique.

Chegado a Zurique também de comboio, o representante do empregador transportou-o em veículo automóvel até ao local de trabalho – uma vacaria – porque o patrão não tinha viatura mas somente vacas e cavalos. O local de trabalho distava cerca de 4 kms do Aeroporto de Zurique e 16 kms desta cidade.

O seu primeiro emprego na vacaria começou  no dia 01 de maio e já sabia que terminava no último dia do mês de novembro. Como a duração deste emprego era inferior a 9 meses, ele  estava ciente de que este tempo de nada lhe serviria para contabilizar um ano para perfazer os 5 anos necessários à obtenção da autorização de modelo B.

Quanto às condições de trabalho, o horário era de 10h00/dia com folga semanal ao domingo. Mas entre os dias 01 de maio e 30 de Setembro o horário era alargado para as 11h00/dia. Ganhava o salário mínimo que era de 780 francos suíços/mês. 

Tinha direito a alojamento e alimentação onde não se consumia vinho mas café, leite e sidra.

Mas a solidão e as dificuldades de comunicação eram a companhia constante de quem parte à aventura e de quem sabe que está num país estranho e distante.

No 2º domingo, dia de folga, foi contactado por um emigrante português, do Alentejo, que já tinha trabalhado nessa vacaria e o animou e acompanhou ao café na Estação de Caminhos de Ferro de Zurique que era local de encontro de cerca de 50 emigrantes portugueses. Também o informou dos transportes a utilizar pois tinha de percorrer cerca de 16 kms usando um autocarro e um elétrico. Destes encontros resultou a oportunidade de mudar de serviço com o apoio de um emigrante  recentemente falecido e que morou nas Termas do Carvalhal.

Como o contrato terminava em finais de novembro, com a antecedência necessário fez a reserva de lugar para a viagem de comboio que o transportaria desde  Zurique até Nelas. Também se despediu do trabalho na vacaria.

2 – Segundo emprego

No ano de 1975 e no seguimento de contactos feitos no ano anterior no Café da Estação de Zurique, o novo empregador tratou de toda a documentação necessária e do transporte de comboio de Santa Apolónia até Genebra. Chegado a esta cidade, voltou a ser submetido a nova inspeção médica seguindo para o trabalho de produção de legume localizado a cerca de 4 kms da Estação dos Comboios de Zurique, que  continuava a ser o local de encontro dos emigrantes portugueses. 

O horário de trabalho e o vencimento eram mais vantajosos. Trabalhava 10H00 por dia de segunda a sexta-feira. Ao sábado trabalhava 5 horas. No domingo era o dia de descanso. O vencimento passou para 1.100 francos suíços/mês. 

Manteve-se na produção de legumes nos anos de 1976 e 1977. A rotina das viagens a Portugal foi alterada  porque cessaram de ter início em Stª Apolónia para começarem na Estação de Nelas com vantagens de custo e de tempo para o empregador e o empregado.

3 – De Zurique para o Ticino

No ano de 1978, decidiu deslocar-se ao Ministério do Trabalho, Lisboa, voltando a ser selecionado para um posto de trabalho na emigração. 

Chegado a Genebra e por interferência de um emigrante de Vila Maior, foi trabalhar  para o Cantão do Ticino, localidade de Gerra-Piano, numa estufa de legumes.

Quanto às condições de trabalho, o alojamento e alimentação eram por conta própria e o pagamento era feito por hora de trabalho.

A partir do ano de 1979, o empregador suíço passou a contratar diretamente o empregado aliviando as formalidades burocráticas e facilitando as contratações. 

No ano seguinte e apesar das oportunidades existentes no estrangeiro, ele optou por permanecer em Portugal no ano de 1980 para tentar uma experiência empresarial. Após esta, regressou ao Cantão do Ticino no ano de 1981. Todavia, no ano seguinte voltou a optar pela atividade empresarial no seu país.

Ponderando novamente os prós e contras, voltou mais uma vez ao Ticino no ano de 1983 e, desta vez, levando a sua esposa, Célia de Almeida Chaves Gonçalves, para trabalharem nas estudas de legumes. 

Assim permaneceu o casal até ao ano de 1988 por períodos iguais ou inferiores a 9 meses/ano.

Volvidos alguns anos, o casal, em 1989, deixou a agricultura sendo que ele foi trabalhar para uma fábrica e ela para um lar de idosos.

No ano de 1990, foi-lhes concedida a autorização modelo C que usaram até ao ano de 1996 porque a partir desta data deliberaram permanecer em Portugal por entenderem que aqui teriam melhores condições de vida.

Mas eis que passados 10 anos de ausência em território suíço, o casal regressou ao Cantão do Ticino no ano de 2007 para trabalhar numas estufas que tinham sido adquiridas por um português. Cada um ganhava cerca de 3.000 francos suíços/mês e almoço.

Após esta longa história de emigração, no ano de 2009 surgiu a concorrência dos emigrantes dos “Países do Leste” com consequência direta na emigração portuguesa. Neste ano o casal passou para o Fundo de Desemprego terminando, de seguida, com a passagem à situação de reforma, do ciclo do sonho  e do trabalho de emigrante.

Neste momento, o casal vive tranquilamente na vila de Mões recordando o passado e convivendo com o presente em que um dos descendentes e família vivem e trabalham no Cantão do Ticino. Os dois outros descendentes e família vivem e trabalham na Área Metropolitana de Lisboa.

4 – Diversos

Aproveitando o que acabamos de relatar, queremos destacar a disponibilidade e a partilha de realidades vivenciadas pelo Sr. Ivo. Também queremos realçar o contributo dos castrenses que têm a vida dividida entre a Suíça e Portugal continuando a conciliar sentimental e economicamente a origem e o destino. Neste contexto, não poderia deixar de destacar a emigração dos meus sobrinhos, primos e amigos que já tive a oportunidade de visitar na Suíça e de agradecer o acolhimento.

A emigração para a Suíça continua a ser uma realidade atual que merece ser estudada devido ao impacto na economia e demografia castrenses. Quem sai pode não regressar e os seus descendentes terão dificuldades em manter as raízes geográficas e culturais dos ascendentes. Castro Daire precisa de  complementar a origem geográfica com condições de vida aliciantes para almejar fazer crescer a população no município. O destino Suíça deve ser uma questão de opção e não uma fatalidade económica (liberdade/determinismo).

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